Em 05 de
abril de 1931, Padre José Joaquim Lucas tomou posse na Paróquia de
Inhaúma para orientar os fieis da Freguesia de Inhaúma em substituição ao Padre
José Pelusio de Macedo, que se afastou por motivo de doença. O pároco chegou em
um momento muito importante para o Rio de Janeiro, a inauguração do Cristo
Redentor, realizada no dia 12 de outubro de 1931, o que provavelmente despertou
o desejo dele de realizar algo igualmente significativo à frente de sua nova
Paróquia.
As
primeiras notícias sobre a romaria começaram a aparecer em meados de novembro,
um mês depois da inauguração do Cristo Redentor. No primeiro anúncio sobre a
peregrinação, publicado no dia 17 de novembro de 1931, o Cardeal Dom Sebastião
Leme concedeu ao Padre Lucas, responsável pela romaria, a celebração da missa
no local recém-inaugurado.
Não se
sabe quando a proposta foi apresentada ao Cardeal, mas pela notícia, a
aprovação da romaria foi de grande agrado pelo representante máximo da Igreja Católica
na época. Possivelmente, o Cardeal enxergou uma forma de divulgar o monumento,
atingindo o público da Zona Norte e assim fazer com que os cariocas se
interessassem em visitar o mais novo solo sagrado do Rio de Janeiro.
Ainda em
novembro, o Jornal do Brasil publicou mais uma nota sobre a romaria, informando
que o Cardeal “aprovou e abençoou o projecto”, sendo essa a
primeira vez que a palavra “projeto” é citada em um texto sobre a romaria, tudo
indicando que Padre Lucas ao apresentar o evento ao Cardeal Sebastião Leme, não
o fez de modo informal, mas sim, possivelmente, propôs um projeto bem elaborado
e detalhado.
O povo de
Inhaúma estava muito animado para o evento. Segundo o mesmo jornal “toda
a Parochia se acha vivamente interessada pela realização da primeira
peregrinação ao Corcovado”, e o povo do bairro abraçou a ideia do Padre Lucas,
pois era “grande o número de inscripções abertas na Matriz de
Inhaúma”. O evento foi tratado como um grande momento de fé universal, tanto
que era aberto ao público em geral: “toda e qualquer pessoa catholica pode
participar da romaria”. No decorrer dos meses de novembro e dezembro, a
propaganda da romaria foi muito divulgada, vários jornais publicaram notas
sobre o evento.
Os dias
foram passando e o “extraordinário enthusiasmo” tomava cada vez
mais conta da população de Inhaúma. Um dia antes da peregrinação, 12 de
dezembro de 1931, os jornais O Globo, Jornal do Brasil e do Commercio fizeram
publicações sobre o fato, informando sobre o ânimo e os preparativos do evento,
além da participação de outras paróquias.
Um
pequeno trecho no começo da nota, mostra como realmente o Padre Joaquim Lucas
planejou, com todos os detalhes, a peregrinação. “A lotação de tres bondes especiaes”
demonstra a preocupação do pároco na locomoção dos fiéis até o Corcovado. lembrando
que nas primeiras décadas do século XX não devia ser fácil fazer o transporte
de grandes grupos pelas ruas da então Capital Federal. A Sagrada Comunhão deve
ter sido dividida em duas etapas. A nota informava: “a maior parte dos
peregrinos solicitou a graça de receber a Santa Comunhão durante a missa que
será celebrada no altar do monumento”.
Pelo
percurso realizado até o Corcovado, a peregrinação passava pelas seguintes
igrejas: Matriz de Inhaúma, a antiga capela de São Benedito (hoje, Paróquia de
São Benedito dos Pilares), a Igreja de São Francisco Xavier, Igreja do Divino
Espírito Santo (Estácio), Capela do Menino Deus (Rua do Riachuelo), Igreja
Nossa Senhora do Carmo da Lapa do Desterro (Lapa) e Paróquia Matriz de Nossa
Senhora da Glória (Largo do Machado). Além disso, o texto informa como seria a
logística para o transporte dos peregrinos ao local e o horário da volta, além
de fornecer o telefone da paróquia para dirimir quaisquer dúvidas.
Hélio
Ribeiro, especialista em bondes no Rio de Janeiro confirmou que o trajeto
realizado pelos bondes especiais foi o seguinte: Praça 24 de Outubro, Rua Padre
Januário, Rua Álvaro de Miranda (Antigo Caminho dos Pilares), Largo dos
Pilares, Avenida Dom Hélder Câmara (Antiga Avenida Suburbana), Rua José
Bonifácio, Rua Arquias Cordeiro, Praça do Engenho Novo, Rua Silva Freire, Rua
24 de Maio, Rua São Francisco Xavier, Rua Haddock Lobo, Rua Estácio de Sá, Rua
Frei Caneca, Rua do Riachuelo (ou Avenida Mem de Sá), Largo da Lapa, Rua da
Lapa, Rua da Glória, Rua do Catete, Largo do Machado, Rua das Laranjeiras e Rua
Cosme Velho. Segundo Hélio Ribeiro, “dava para ir de Inhaúma até o Largo do
Machado de bonde. As linhas da (empresa) Jardim Botânico
se comunicavam com as da Light na Lapa”.
Depreende
do texto que a viagem de Inhaúma até a estação de trem do Cosme Velho durava
por volta de 1h (hoje, o mesmo trajeto leva cerca de 30 min). O serviço de
bonde cobria todo o Distrito Federal.
O grande
dia chega e o Jornal do Commercio informa sobre o evento. Segundo
o Jornal do Brasil, 3 jornais fizeram a cobertura do acontecimento: o próprio
JB, O Globo e A Noite. Dos três, somente o Globo não fez nenhum registro do
evento, enquanto o jornal A Noite fez um relato muito sucinto, sendo o único a publicar
uma foto da Romaria no Cristo Redentor.
Já o
Jornal do Brasil mandou um repórter para fazer a cobertura da romaria, porém somente
a partir da Estação de Trem do Cosme Velho. O jornalista começa o texto
informando que “realizou-se domingo último (13/12/1931) a primeira
romaria parochial de Inhaúma ao Monumento de Christo
Redemptor, no Corcovado”, e logo emenda no texto a chegada dos bondes
especiais com os romeiros à Estação do Cosme Velho.
O
entusiasmo devia ser nítido e contagiante e dois motivos eram claros para isso:
um povo simples indo em direção ao mais novo ponto sagrado do catolicismo, além
de participarem de um passeio da Zona Sul a Central, conhecendo assim pontos
encantadores do Rio Antigo.
A
previsão da partida do trem da estação de Cosme Velho era entre 7h30 h e 8h,
mas houve um pequeno atraso, pois, eles partiram as 08h10. Tanto o Jornal A
Noite como o JB informaram que cerca de 400 pessoas participaram da romaria. Após
todos os romeiros subirem até ao monumento, a missa solene começou às 9h. Tendo
a honra de comandar a celebração, o Padre Joaquim Lucas ainda teve como
auxiliares o Padre Antônio Galdino Gomes e o seminarista Pauto Santos.
A
decoração estava um primor para esse momento especial. O altar estava “forrado
de seda azul”, numa homenagem à Nossa Senhora, e decorado com “flores naturaes”.
No centro, um “bello crucifixo de prata ladeado por lanternas
de Crystal”. A Paróquia levou o coro Filhas de Maria para executar
os cânticos católicos, comandado pela professora Blondine Guisard Tepedino.
Um
destaque especial foi a ajuda do engenheiro Heitor Levy, responsável pelas
obras do monumento (segundo o site Brasiliana, ele era o arquiteto-executor).
Ele arranjou um “harmonium” para que os cânticos pudessem ser
executados com músicas. É de se admirar o empenho dele para ajudar na
organização, pois segundo o jornal, ele “se desdobrou em gentilezas e dedicação
para realçar este grande acontecimento religioso”.
Mesmo
tendo um número considerado de romeiros que chegaram para participar da romaria
através dos bondes, outras pessoas também foram ao Cristo Redentor para
participar desse momento histórico realizado pela Paróquia de São Tiago.
Padre
Joaquim Lucas fez uma homilia convincente que terminou com uma “prece fervorosa
a Christo Redemptor”. A oração se estendeu “para a
grandeza e prosperidade do Brasil e para a paz completa da família brasileira”.
Além
disso, também foi pedido em oração a “felicidade de S. Eminencia o Sr. Cardeal,
que tão paternalmente proporcionara aquelles seus filhos, a
tão grande ventura de assistir a santa missa e comungar aos pés da imagem
de Christo Redemptor”. Realmente, Dom Sebastião Leme
não poderia ficar de fora das orações. Além de ser o representante máximo da Igreja
Católica, foi ele que aprovou o evento para que o povo de Inhaúma demonstrasse
sua fé.
Padre
Joaquim Lucas puxou um hino para a Providência Divina e pediu bênçãos para o
país que atravessava um momento difícil, lembrando que, em 1931, o Brasil
estava no começo da Ditadura Vargas.
No clímax
da celebração, a Comunhão, o repórter informou que cerca de 300 pessoas
comungaram aos pés do Cristo Redentor. Ao final da missa, como planejado, foi
distribuído um lanche. O retorno, às 11 h, carregava o êxtase da cerimônia
religiosa, tanto que os romeiros ainda estavam no “maior enthusiasmo religioso”.
Na volta,
duas grandes manifestações. A primeira, em frente ao Palácio do Catete, foi
cantando o Hino Nacional; a segunda, em frente ao Palácio Cardinalício na
Glória, “calorosos vivas” ao Cardeal, ao Papa e mais uma vez ao Cristo
Redentor.
O
repórter cita que a Primeira Romaria ao Cristo Redentor terminou com “maior
alegria e a máxima ordem” e com “saudades de todos romeiros”. Realmente, um
evento para deixar orgulhoso o povo de Inhaúma. E no fim do texto, um elogio ao
Padre Joaquim Lucas pela “sua piedosa e feliz iniciativa”.
Depois
dessa iniciativa da Paróquia de Inhaúma, outras também fizeram suas romarias ao
monumento, entre elas: Matriz de São João da Lagoa (1933), Matriz do Sagrado
Coração de Jesus (1934) e Matriz de Santana (1936).
Esta
façanha da Paróquia de São Tiago, com a participação do povo de Inhaúma,
completou 91 anos no dia 13 de dezembro de 2022.
Com a
colaboração do Blog Histórias de Inhaúma.