Francisco de Assis, a Laudato Si e a Misericórdia

        No início de outubro celebramos a memória de São Francisco de Assis. Com a importância que o Papa Francisco tem dado à inspiração desse religioso, creio que celebrar o dia 4 nos traz muitos temas importantes do momento atual. São Francisco nasceu em Assis, na Úmbria (Itália) em 1182. Jovem orgulhoso, vaidoso e rico, que se tornou o mais italiano dos santos e o mais santo dos italianos. Com 24 anos, renunciou a toda riqueza para desposar a “Senhora Pobreza”. Francisco foi para a guerra como cavaleiro, mas, doente, ouviu e obedeceu a voz do Patrão, que lhe dizia: “Francisco, a quem é melhor servir, ao amo ou ao criado”? Ele respondeu que ao amo. “Por que, então, transformas o amo em criado”?, replicou a voz. No início de sua conversão, foi como peregrino a Roma, vivendo como eremita e na solidão, quando recebeu a ordem na igrejinha de São Damião: “Vai restaurar minha igreja, que está em ruínas”.
Em missão de paz e bem, seguiu com perfeita alegria o Cristo pobre, casto e obediente. No campo de Assis havia uma ermida de Nossa Senhora chamada Porciúncula. Este foi o lugar predileto de Francisco e dos seus companheiros, pois na Primavera do ano de 1200 já não estava só; tinham-se unido a ele alguns valentes que pediam também esmola, trabalhavam no campo, pregavam, visitavam e consolavam os doentes. A partir daí, Francisco dedica-se a viagens missionárias: Roma, Chipre, Egito, Síria… peregrinando até aos Lugares Santos.
Em 1223, foi a Roma e obteve a aprovação mais solene da Regra, como ato culminante da sua vida. Na última etapa de sua vida, recebeu no Monte Alverne os estigmas de Cristo, em 1224. Enfraquecido por tanta penitência e cego por chorar pelo amor que não é amado, São Francisco de Assis, na igreja de São Damião, encontra-se rodeado pelos seus filhos espirituais e, assim, recita ao mundo o Cântico das Criaturas. O seráfico pai, São Francisco de Assis, retira-se então para a Porciúncula, onde morre deitado nas humildes cinzas a 3 de outubro de 1226. Passados dois anos incompletos, a 16 de julho de 1228, o Pobrezinho de Assis era canonizado pelo Papa Gregório IX.
Na vida de São Francisco podemos notar vários dons que recebeu de Nosso Senhor. Um deles é o amor à natureza e o amor ao próximo. Quanto ao amor à natureza – isso fazia Francisco chamar os animais, o sol, a lua, as plantas de irmão e de irmã. Esse amor às criaturas era tão grande, que levou o Papa Francisco inspirar-se em São Francisco para escrever a sua carta Encíclica Laudato Sì.
A Laudato Sì apresenta uma evolução no olhar da teologia, ao colocar o homem como parte da natureza – uma parte especialmente criada por Deus, é verdade –, não como algo separado dela. O Papa Francisco avança de forma ecumênica em todas as religiões declarando, de saída, que a encíclica não é feita apenas para os católicos, mas para toda a humanidade, de todas as religiões, crentes e não-crentes.
A Carta Encíclica “Louvado Sejas” trata sobre o Cuidado da Nossa Casa Comum – a Terra – e é bom ter conhecimento que o documento completo está dividido em 6 (seis) capítulos e 246 parágrafos, seguidos de duas orações escritas pelo próprio Francisco (uma delas intitulada Oração pela Nossa Terra). No primeiro capítulo, o Papa faz um apanhado geral sobre “o que está acontecendo com a nossa casa”, resumindo as aflições ambientais do mundo, amparado na ciência. No segundo, “O Evangelho da Criação”, ele traça uma argumentação teológica sobre as ligações entre nós (humanos) e a natureza. No terceiro, aborda as raízes humanas da crise ecológica; no quarto, discorre sobre sua “Ecologia Integral”. No quinto, apresenta seu chamado à ação, inclusive política, no âmbito internacional, mas também no dos governos locais – fazendo eco ao princípio do “pense globalmente, aja localmente” consagrado na ECO-92. No sexto, trata de educação, cultura e “espiritualidade ecológica”. A encíclica dá sua primeira grande pincelada na questão climática, decretando, com base num “consenso científico muito consistente”, que a culpa pelo aquecimento da Terra é dos gases do efeito estufa emitido pelos seres humanos, como afirma o IPCC. Ao olhar para a Laudato Si, vimos que as preocupações do cuidado com a natureza, muitas dessas já eram a preocupação de São Francisco.
Outro aspecto na vida de São Francisco: percebemos várias atitudes de misericórdia e de acolhimento ao próximo. Lembremos do episódio em 1206: passeando a cavalo pelas campinas de Assis, viu um leproso, que sempre lhe parecera um ser horripilante, repugnante à vista e ao olfato, cuja presença sempre lhe havia causado invencível nojo. Mas, então, como que movido por uma força superior, apeou do cavalo, e, colocando naquelas mãos sangrentas seu dinheiro, aplicou ao leproso um beijo de amizade. Talvez a motivação para este nobre e significativo gesto tenha sido a recordação daquela frase do Evangelho: “Tudo o que fizerdes ao menor de meus irmãos, é a mim que o fazeis” (Mt 10,42).
Ao celebrar a festa de São Francisco, somos convidados a olhar para esta nobre figura na história da Igreja e, inspirados pelo seu exemplo, somos chamados a reconstruir hoje a Igreja. Reconstruir significa aqui voltar às fontes e não romper com a Igreja. É ser cada vez mais fiel e obediente, como foi o nosso querido Santo Seráfico. 
        Que a vida de São Francisco nos motive a olhar e cuidar das criaturas e da nossa própria vida, tendo presente que ela é um dom de Deus. Que possamos também acolher os mais necessitados e aqueles que vivem à margem na sociedade. 
São Francisco de Assis, rogai por nós!

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