Ateísmo hoje

    A Arquidiocese de São Sebastião realiza o seu 27º. Curso para os Bispos, entre os dias 22 a 26 de janeiro de 2018, no Centro de Estudos do Sumaré, com o tema: Ateísmo: formas atuais de manifestação e indicações pastorais.
    Os conferencistas deste ano são Mons. Fernando Ocáriz, Pe. Rafael José Stanziona de Moraes; Prof. Francesco Botturi; Frei Francisco Paton, OFM, Custódio da Terra Santa. O tema é muito interessante e creio que nos ajudará em nosso tempo de tantas contestações e dificuldades para evangelizar, principalmente as grandes cidades diante de um sistema de comunicação que costuma interpretar as manifestações religiosas pejorativamente.
    O Concílio Ecumênico Vaticano II ensinou que: “O aspecto mais sublime da dignidade humana encontra-se na vocação do homem à união com Deus. Começa com a existência o convite que Deus dirige ao homem para dialogar com Ele: se o homem existe é porque Deus o criou por amor e, por amor, não cessa de o conservar na existência; e o homem não vive plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente este amor e não se entregar inteiramente ao seu criador”. (Const. Gaudium et spes, 19).
    Nestes tempos difíceis em que vivemos de contestação da fé cristã, de perseguição do sagrado direito da liberdade de culto religioso (até em nossa América do Sul!), ilumina a missão de todos os cristãos a alocução do Papa Francisco aos bispos chilenos: “Um dos problemas, que enfrentam atualmente as nossas sociedades, é o sentimento de orfandade, ou seja, sentir que não pertencem a ninguém. Este sentir «pós-moderno» pode penetrar em nós e no nosso clero; então começamos a pensar que não pertencemos a ninguém, esquecemo-nos que somos parte do santo povo fiel de Deus e que a Igreja não é, e nunca será, uma elite de pessoas consagradas, sacerdotes ou bispos. Não podemos sustentar a nossa vida, a nossa vocação ou ministério, sem esta consciência de ser povo. Esquecermo-nos disto – como afirmei à Comissão para a América Latina – «comporta vários riscos e deformações na nossa experiência, quer pessoal quer comunitária, do ministério que a Igreja nos confiou».[1] A falta de consciência de pertencer ao povo fiel de Deus como servidores, e não como patrões, pode-nos levar a uma das tentações que mais dano causa ao dinamismo missionário, que somos chamados a promover: o clericalismo, que é uma caricatura da vocação recebida” (cf. https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/january/documents/papa-francesco_20180116_cile-santiago-vescovi.html, último acesso em 20 de janeiro de 2018).
    O Papa Emérito Bento XVI, já em 2002, fazia uma análise muito pertinente dentro do tema proposto para o 27º. Curso dos Bispos: “Hoje — sabemo-lo — não faltam dificuldades e provações para a fé, frequentemente pouco compreendida, contestada e rejeitada. São Pedro dizia aos seus cristãos: «Estai sempre prontos a responder, para a vossa defesa, com doçura e respeito, a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa esperança» (1 Pd 3, 15). No passado, no Ocidente, numa sociedade considerada cristã, a fé era o âmbito no qual ela se movia; a referência e a adesão a Deus eram, para a maioria das pessoas, parte da vida quotidiana e plasmava o relacionamento normal das pessoas e das famílias... No nosso tempo a situação mudou e cada vez mais o crente deve ser capaz de dizer a razão da sua fé. O beato João Paulo II, na Encíclica Fides et ratio, realçava o modo como a fé é posta à prova também na época contemporânea, atravessada por formas sutis e capciosas de ateísmo teórico e prático (cf. nn. 46-47). A partir do Iluminismo, a crítica à religião intensificou-se; a história foi marcada também pela presença de sistemas ateus, nos quais Deus era considerado uma mera projeção do ânimo humano, uma ilusão e o produto de uma sociedade já alterada por tantas alienações. Depois, o século passado conheceu um forte processo de secularismo, sob a bandeira da autonomia absoluta do homem, considerado como medida e artífice da realidade, mas empobrecido do seu ser criatura «à imagem e semelhança de Deus». No nosso tempo verificou-se um fenômeno particularmente perigoso para a fé: de facto, existe uma forma de ateísmo que definimos «prático», no qual não se negam as verdades da fé ou os ritos religiosos, mas simplesmente se consideram irrelevantes para a existência quotidiana, destacadas da vida, inúteis. Então, com frequência, cremos em Deus de modo superficial, e vivemos «como se Deus não existisse» (etsi Deus non daretur). Mas, no final este modo de viver resulta ainda mais destrutivo, porque leva à indiferença à fé e à questão de Deus”(cf. https://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2012/documents/hf_ben-xvi_aud_20121114.html, último acesso em 20 de janeiro de 2018).
    “Os insensatos dizem em seu coração: 'Não há Deus'” (Sl. (10) 27). São João Paulo II alertou que: “Sejamos, pois, em espírito e em verdade, testemunhas do Deus vivo, portadores da sua ternura de pai para o vazio de um universo fechado sobre si mesmo e a oscilar entre o orgulho luciferino e o desespero desenganado. Como, em particular, não ser sensível ao drama do humanismo ateu, de que o antiteísmo, e mais precisamente o anticristianismo, chega a esmagar a pessoa humana que ele quisera libertar do pesado fardo de um Deus considerado como opressor? «Não é verdade que o homem não possa organizar a terra sem Deus, mas não pode, no fim de contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é humanismo inumano» (R. P. Henri De Lubac, Le drame de l'humanisme athée, Spes. 1944, p. 12. Citado por Paulo VI, Encíclica Populorum progressio. Páscoa 1967, n. 42). A quarenta anos de distância, cada pessoa pode encher estas linhas premonitórias, do Padre de Lubac, com o peso trágico da história do nosso tempo.” (cf. https://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/speeches/1980/october/documents/hf_jp-ii_spe_19801010_evangelizzazione-ateismo.html, último acesso em 20 de janeiro de 2018).
    A Igreja, ao defender a fé em Deus e a nossa pertença a ele, não quer de modo algum tirar do homem o que lhe é devido para atribuir a Deus, o que seria uma alienação grave. Ao contrário, a Igreja quer o bem do homem. E entende que esse bem está relacionado com a abertura que todos nós temos para Deus. Desse modo, a relação com o divino, longe de mutilar o homem ou de submetê-lo a uma servidão, vem ao encontro de seu desejo mais profundo de felicidade e eternidade e o liberta para realizar-se como ser que vive na imanência e é constitutivamente aberto à transcendência.
    O humanismo integral defendido pela Igreja é uma posição que respeita o homem em todas as suas dimensões. Sem esquecer de que o homem é ser no mundo, na matéria, no tempo e na história, não nega a sua abertura para o Absoluto. Possa a Palavra da fé ajudar-nos a não tirar do nosso horizonte o que constitui a mais rica expressão do homem: a relação com Deus. 


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